domingo, 2 de agosto de 2009

propósito de férias

É privilégio de poucos gozar de duas férias ao ano. Os estudantes e professores costumam poder fazê-lo. E como tal, sempre consegui me livrar de qualquer compromisso acadêmico nos inícios meios e fins de ano.
As férias de meio de ano não chegam a ser consideradas férias no estrito sentido do termo. São apenas quinze dias em que você já conhece os compromissos que te esperam no ínicio de agosto mas que pode esperar o tal mês começar para pensar neles. Não são férias, é um pequeno recesso, o qual almejei ansiosa desde a entrada de julho.
O primeiro semestre passou árduo. E de uma maneira tão intensa que nem senti o seu passar pois não havia tempo para parar e pensar. Eu não via a hora dos meus quinze dias de nada para fazer chegarem. E chegaram em tempo de eu ainda nem ter me decidido o que fazer deles.
Viajar. Estudar. Organizar papéis e vida. Fazer exercícios. Beber até cair. Se divertir. Rever amigos. Escrever projeto. Adiantar trabalhos. Ver filmes. Eram projetos...
... que nada!
Logo no primeiro domingo me bateu à porta uma exaustão de ser junto com uma preguiça de existir que não me tiraram de casa.
E resolvi que só pelo domingo, ficaria ali assim: espalhadona na cama, de pijama de flanela o dia inteiro, enrolada feito bolinho em cobertor, olhando a mosca pousada no teto, quietinha, eu e mosca, de cabeça vazia.
E foi tão bom que acabei prolongando o prazer pela segunda, a terça, a quarta e ui.
Mas que perda de tempo!
Tanta coisa importante para fazer, mas são férias.
Tanta coisa que se precisava fazer, mas são férias.
Tanta coisa gostosa para fazer, mas são férias.
E amanhã eu faço, porque a preguiiiiiiiiiça...
Depressão?
Que nada!
Cansaço.
E descobri a melhor maneira de aproveitar o recesso de meio de ano.
Bateria se recarrega com energia de casa.
E espantei a sensação de tédio que insistia em entrar no quarto. E dei mais corda para a exaustão de ser e para a preguiça de existir. E deixei-as entrar e ofereci café com bolinho, sem peso nem culpa.
Descanço.
E no fim do recesso a certeza do propósito cumprido.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Do leite que derrama Chico em seu mais novo romance


Um ancião em uma cama de hospital, uma doença de fim de vida, algumas enfermeiras, uma filha e muitas memórias a serem desfiadas. Esses são os marcantes elementos que compõem a narrativa de Leite Derramado, o mais recente romance de Chico Buarque, publicado no presente ano. Através de um monólogo proferido pelo narrador do texto, ele, que é também o personagem principal desta trama, nos dá a ver as suas memórias familiares, que nos vêm em um misto de desordem estrutural e cronológica típica de lembranças resgatadas em fundo de gaveta.
A narrativa do romance possui um único foco que é a primeira pessoa. O narrador toma forma na personagem do ancião que vai nos contar a história da linhagem de sua família desde seus ancestrais mais antigos até os seus últimos descendentes com os quais conviveu. Logo de início, Chico Buarque joga com a credibilidade do seu narrador, e como conseqüência disso, com a credibilidade das histórias que este conta. Fica a cargo do leitor a decisão de confiar ou não nessas histórias rememoradas, e, por conseguinte, considerar ou não o narrador como confiável.
Muitos são os teóricos que põem em dúvida a credibilidade de um narrador em primeira pessoa, já que entendem que ele narra a história apenas pelo seu ponto de vista. Um exemplo clássico desta dúvida quanto à credibilidade da narrativa em primeira pessoa é o célebre romance de Machado de Assis, Dom Casmurro, em que o leitor jamais saberá se Capitu traiu ou não Bentinho visto que só se possui uma única versão da estória de amor. O leitor deste romance só tem posse do ângulo de visão de Bentinho acerca dos fatos que são narrados em primeira pessoa por um narrador marcado pelo ciúme, pela desconfiança e pela amargura.
Assim também é o foco da narrativa de Leite Derramado, em que é dado ao leitor apenas um ponto de vista acerca das memórias do ancião que narra a história; o ponto de vista dele próprio. Isso gera um outro fator que pode descredibilizar o narrador do romance ainda mais: o fato deste já ir em idade avançada. É uma questão cultural dos países ocidentais em geral o fato de não se dar crédito ao que dizem os idosos. Isso porque é considerado que, por serem de idade alta, são acometidos por eventuais doenças que podem prejudicar a memória, fazendo com que misturem fatos, datas, situações; e deixando suas narrativas sem crédito.
É dessa maneira que se mostra o nosso narrador. Deitado em sua cama no hospital, ele nos mostra que ocupa aquele lugar em virtude de doenças que lhe foram provocadas por conta da sua própria idade avançada. As lembranças lhe vêm embaralhadas e ele tem plena consciência deste fato, parando, por vezes, a narrativa para mostrar ao seu leitor/ouvinte a confusão da cronologia dos acontecimentos.
Essa consciência que tem o narrador de que suas lembranças lhe vêm embaralhadas, sem uma ordem cronológica dos acontecimentos, pode ser considera como um fator que gera credibilidade a ele. Isso porque essa noção de que a sua memória pode, em alguns momentos, atraiçoá-lo mostra ao leitor/ouvinte que o narrador sabe-se confuso. Dessa maneira, o leitor/ouvinte consegue identificar as traições do que é narrado e fica livre para dar crédito ao que considerar que seja verídico.
O romance de Chico Buarque trabalha, em sua estrutura de base, com uma lógica muito recorrente na literatura universal que é o fluxo de consciência. Essa é a base estrutural da narrativa de Leite Derramado, em que as memórias de uma linhagem familiar tradicional são rememoradas através do fluxo de consciência de seu narrador. Sem respeitar cronologia ou veracidade o narrador vai contando sua história à medida que ela vem surgindo em sua mente. Repete os fatos, mistura as datas, narra o mesmo assunto de modo diferente, assim como ocorre com qualquer narrativa que é rememorada a partir do tempo psicológico que não tem limites cronológicos.
Outro ponto interessante de se notar no livro de Chico Buarque é a temática que nele é trabalhada. As memórias do narrador versam sobre um único assunto: desbravar a saga de sua linhagem que vai de um grande auge à decadência. Essa decadência de famílias de grande nome vem sendo uma temática muito recorrente nos romances modernos.
Em Leite Derramado, nota-se um narrador que não se conforma com a trajetória decadente que percorreu a sua família. Por ter muita idade, esse narrador pôde acompanhar muitos dos momentos áureos de sua linhagem, mas também acabou por presenciar todas as derrotas porque passou a sua família até chagar à decadência. Acostumar-se com essa nova situação é um sofrimento para ele. Quando jovem teve dinheiro e prestígio. Hoje, velho e uma cama de hospital, depende do dinheiro e da boa vontade alheia. E de nada adianta dizer que é um legítimo Assumpção, pois este nome já não é mais reconhecido.
Tudo, desde a estrutura narrativa até a temática abordada em Leite derramado é preciso. Sem dúvida um livro em que o autor consagra seu estilo. Chico Buarque se mostra, nesse livro, não mais como apenas um grande compositor, mas também como um grande romancista.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

monólogo do não dito

E nem vou dizer que você é um idiota por ter agido assim, porque me parece que dessa vez você tomou uma atitude acertada.
E nem vou dizer que você é um relapso por ter esquecido todo o combinado, porque não me lembro mais de termos combinado nada.
E nem vou dizer que você é um insensível por não ter me avisado nada, porque de fato você estava preocupado.
E nem vou dizer que você é um babaca por ter me deixado aqui plantada na encruzilhada, porque isso seria mentira.
E nem vou dizer que você é um desorientado por ter escolhido mais uma vez o caminho errado, porque dessa vez eu acho que você escolheu o caminho certo.
E nem vou dizer que você é um egoísta por não ter me chamado, porque eu não iria com você.
E nem vou dizer que você é burro por destraçar a nossa rota, porque o melhor caminho para você não é o melhor caminho para mim.
E nem você dizer que você é surdo por não ter me escutado antes, porque você nunca escutou o que eu dizia.
E também não vou dizer mais nada, porque você também não está me ouvindo agora e estou falando aqui sozinha.
E também não vou mais ficar falando sozinha, porque não sou maluca de fato.
E por isso, agora, não vou mais falar nada.
Mas só para constar: aquele 'zero' é meu, e o senhor não pode ficar usando-o por aí a esmo, a toa, e o senhor faça-me o favor de devolvê-lo a mim, pois é a mim que ele pertence e somente comigo você poderia usá-lo.
E assim sendo, passe aqui em casa e deixe-o na portaria, com o cuidado de não deixar com ele nenhum bilhete de arrependimento.
Já é tarde agora.

domingo, 19 de julho de 2009

um pouco de infância


Nada melhor do que reviver um pouco de infância, ainda mais quando esta foi repleta de sorrisos e felicidades das boas, dessas que deixam saudade e que fazem do existir presente uma dura nostalgia.




Ai que saudades que tenho
Da aurora da minha vida
Da Saquarema querida
Que os anos não trazem mais.


Não trazem?


Trazem sim, embora não como eram antes...
Hoje os anos me trouxeram lembranças de lá


Que amor, que sonho, que flores
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das banabeiras
Debaixo dos laranjais.



Lá em Saquá...

O mundo era colorido
Inocência de criança que começa a aprender a vida.
pular janela escondida
subir em telhado
tomar porres de bebida
o primeiro namorado


Eu era feliz, e sabia muito bem disso.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

indeferido

Nunca havia pensado que não conseguiria. A certeza era tão grande que já afirmava a todos que continuaria caminhando por lá nos próximos semestres. O pedido havia sido feito adiantado, e para o francês sempre havia vagas. A ciência de que o pedido seria aceito fez com que não se precavisse de um possível não. E, então, não buscou outras alternativas para o fim.
Quando chegou lá já com perguntas de como seria a inscrição e o novo curso obteve a resposta.
Não aquela que já sabia que ia ouvir, mas uma outra, estranha, jamais pensada.
Seu pedido foi indeferido.
Como isso é possível?
Ainda não deu para entender. O choque foi tão grande que na hora um efeito anestésico não deixou perceber as consequências disso tudo. Olhou outros cursos, possibilidades futuras, um reingreso. Mas nada era muito sólido pois a ficha da resposta negativa ainda não havia se fixado na idéia.
Conversou com amigos sobre coisas furtivas.
Bebeu uma cerveja gelada em fim de tarde.
Comeu salgadinho com maionese.
Dormiu de pijama de flanela e cobertor quente.
...
E acordou com um vazio que de início não compreendeu.
Lembrou-se de ontem.
Era a alternativa que jamais imaginara.
Era o vínculo perdido.
Vínculo que se vai deixando um vazio no dentro.
Vazio que se precisa preencher.
Urgentemente.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

the end

Hoje.
A última aula na graduação em Letras da UFF.
Poucas pessoas estavam presentes.
A turma já fragmentada.
Algumas fotos.
Algumas lágrimas.
Todas as notas exclentes para um fechamento de ciclo.
Muitas vezes ansiei pelo momento em que eu fosse entregar o meu último trabalho. Me vinha um alivio precoce de liberdade almejada. Houve momentos em que eu já não aguentava mais. Os finais de períodos eram sempre críticos, sobretudo quando comecei a trabalhar. Os prazos curtos e os trabalhos muitos. Uma angústia de ter que ler, de ter que escrever. A obrigação que cansava. A vontade de jogar tudo pro alto. Não via a hora de chegar o dia de hoje, o dia do último trabalho entregue, o dia das notas todas indicando o bendito aprovado.
E o hoje chegou. O tempo passou tão rápido que nem senti esses quatro anos rolarem. Chegou o tão esperado dia. Mas no lugar do alívio que esperei sentir, senti um vazio fundo. Sei que por vezes maldice matérias, provas, professores e trabalhos. Por vezes não via a hora de tudo chegar ao fim. Mas quando o fim chegou a saudade já bateu antecipada.
A UFF foi meu sonho de infância e por quatro anos a minha casa. Estudar as Letras foi um dos maiores prazeres que já senti. Perto de casa, adorava aquele campus onde pude passar grandes momentos da minha vida. Conheci pessoas maravilhosas que carregarei comigo sempre. Fiz amigos grandes e fortes. Adquiri sabres, bens preciosos que jamais alguém poderá me tirar. Estudei o que quis. O que sempre gostei.
A UFF foi palco de felicidade. Palco que apaga as luzes pois o espetáculo se encerra.
Da peça fica a aprendizagem.
Do the end fica a saudade que se faz em vazio dentro do meu peito.
Num misto de alegria e tristeza fecho um dos ciclos mais importantes da minha vida.
A alegria porque acabou...
A tristeza porque acabou.
Não há mais o que escrever.
Por hoje, rio chorando.

terça-feira, 30 de junho de 2009

uma troca de olhares

Uma troca de olhares pode ser, ao mesmo tempo que deliciosa, perigosa.
Isso porque ela desencadeia devaneios posteriores, idealizações afloradas, espectativas infundadas.
Uma troca de olhares nunca é só um troca de olhares.
Ela vem com carga semântica funda e interpretação variada.
Pode assumir um sentido para um par de olhos e outro, completamente deiverso para o outro par.
Tais sentidos são ilegíveis para o outro olhar que espera uma explicação, e muitas vezes, ilegíveis até mesmo para o olhar que olha.
Na troca de olhares, ambos os olhares olham. O que não significa que ambos os olhares vêem.
Se uma troca de olhares fosse apenas uma troca de olhares, nenhuma dessas divagações teriam fundamento.
Mas uma troca do olhares nunca é só uma troca de olhares...
E assim se segue divagando sobre ela, na espera de que o outro par de olhos, nesse momento, esteja fazendo o mesmo.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

olha ali os marca textos!

Em meio a um dia turbinado de acontecimentos estranhos, saía eu da faculdade rumo ao trabalho, em comapnhia de minha caríssima amiga Silvia. Caminhavamos lentamente pois o desânimo já vinha alto, quando ela estaca e desorganiza toda a minha rotina mecânica das terças feiras corridas. Ih, olha ali os marca textos! Desestruturada, não entendi, a prínipio o que aquela exclamação me exclamava. Estavamos quase que na saída do campus e achei minimamente estranho toparmos com marca textos por ali. Olhei a direção do olhar de minha amiga que me indicou o horizonte. A idéia de marca textos no horizonte me pareceu ainda mais absurda. E foi quando caí em mim e travei a minha rota que já me levava maquinalmente, percebendo que se tratavam de meninos jogando futebol com coletes verdes fluorescente. Tudo isso decorreu em poucos segundos, uns dez, no máximo. O que durou os mesmos dez segundos e mais um bocado de dias e horas foi a minha reflexão a respeito do acontecido. A correria rotineira dos meus dias tem andado tão a flor da pele que eu tenho passado pelo mundo sem enxergá-lo. Casa-trabalho-faculdade-trabalho-casa-trabahoemcasa-casa-trabalho-faculdade-trabalho-casa-trabalhoemcasa e meus olhos não conseguem mais captar a simplicidade das coisas cotidianas a minha volta. Nem mesmo quando elas vêm destacadas por marca textos.

domingo, 14 de junho de 2009

um parto.

Fazer um texto é um parto.
Não como essas cesárias que duram horas...
Muito menos como esses normais que duram minutos.
Um texto é um parto que dura dias.
Num misto de normal e cesariana, o parto do texto funde a dor do primeiro com a complicação do último.
Sim, porque dói olhar para dentro e expulsar de você aquilo que cresce quentinho e quietinho no seu interior.
E também porque é complicado tirá-lo sem machucar-se a si e a ele. Tem vezes que ele está ao contrário, enviesado, não quer sair de você, e é preciso tirá-lo.
Às vezes ele sai prematuro, e é preciso diversos cuidados com ele depois de nascer.
Mas como em todo bom parto ele sai, vivo, inteiro, trazendo felicidade grande ao seu produtor.
Acabo de parir um texto.
E como parto complicado e doído que foi, estou agora de resguardo.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

para o dia 12, a Valsinha de Chico e Vinicius

"Um dia ele chegou tão diferente do seu jeito de sempre chegar
Olhou-a dum jeito muito mais quente do que sempre costumava olhar
E não maldisse a vida tanto quanto era seu jeito de sempre falar
E nem deixou-a só num canto, pra seu grande espanto convidou-a pra rodar.

Então ela se fez bonita como há muito tempo não queria ousar
Com seu vestido decotado cheirando a guardado de tanto esperar
Depois os dois deram-se os braços como há muito tempo não se usava dar
E cheios de ternura e graça foram para a praça e começaram a se abraçar.

E ali dançaram tanta dança que a vizinhança toda despertou
E foi tanta felicidade que toda a cidade enfim se iluminou
E foram tantos beijos loucos
Tantos gritos roucos como não se ouvia mais
Que o mundo compreendeu
e o dia amanheceu
Em paz."

O tempo muda.
Ele, enfim, a enxergou como devia.
Ela, enfim, se portou como merecia.
O tempo traz.

E eu agora, assim como o mundo, compreendo a paz de um dia marcado pelo tempo.